Mirna Lashlev: Profissionais de saúde devem agir contra a desigualdade

3 de fevereiro de 2009 - 12:20

 

A psicóloga Mirna Lashlev alerta que os profissionais de saúde têm o papel não somente de identificar as situações de discriminação, mas de buscar e agir para mudar essa realidade. Lashlev defende que a iniqüidade seja barrada no nascedouro, desde a formação até o trabalho de ponta, nas unidades de saúde.

 

Diplomata de Barbados, em Montreal e professora do CEGEP John Abott College, no Canadá, Lashlev esteve na Escola de Saúde Pública do Ceará em dezembro de 2008, ministrando a palestra “Eqüidade Étnico-cultural na Gestão e Formação em Saúde”, durante as atividades da 17ª missão da Cooperação Brasil-Canadá.

 

Qual a importância de se discutir a etnia e a diversidade atualmente?

 

Fundamentalmente significa possibilitar que as pessoas possam se ver nos olhos de outras pessoas e reconhecer que todos nós temos diferenças e isso precisa ser levado em consideração, quando você está tratando com os problemas de cada um.

 

É importante também que as políticas públicas reflitam de fato dentro das instituições essas diferenças culturais e essas diversidades, principalmente nas suas políticas de contratação de recursos humanos, para que esse local de trabalho possa refletir o que é a divergência, as várias diferenças na sociedade.

 

E o que são essas diferenças? O que é equidade, diversidade cultural?

 

Toda sociedade é formada pelo conjunto de suas divergências. O problema é como essas divergências estão refletidas nas instituições dentro dessa sociedade. Obviamente que há convergências também, há momentos em que as diferenças podem se convergir, mas é a partir daí que você vai procurar entender como refletir isso, por exemplo, nas instituições que deveriam representar o todo da sociedade.

 

No Brasil, nós temos um elemento comum de unidade que é a própria língua portuguesa, mas, obviamente, se você pegar os 27 estados, vai ver que em outros pontos há muitas divergências também. Quando brasileiros de estados diferentes vão para o exterior, normalmente existe um chamamento muito grande para a convergência pelo fato de serem brasileiros, ou quando há Copa do Mundo. Entretanto, internamente, quando se pensa economia, escolaridade, vários fatores da vida cotidiana, nota-se que existe uma divergência. Então o desafio é tentar entender qual o papel que cada um de nós teve nas causas dessa iniqüidade e qual o papel que cada um de nós vai ter no sentido de tentar diminuir o fosso, a distância entre aqueles que são considerados incluídos e os que estão do outro lado, os excluídos.

 

A exclusão social é influenciada mais pela condição econômica?

 

Na realidade, os fatores econômicos, sociais e culturais não são mutuamente excludentes. Você pode estar dentro de um plano em que economicamente converge, mas em outro você diverge, porque o que está disponível para um não está para todos. Um esportista americano negro, Tiger Woods, maior atleta de golf do mundo, no princípio da carreira não podia nem entrar em um determinado clube de golf, onde era jogada uma etapa do campeonato dos Estados Unidos. Eles tiveram que fazer uma exceção à regra, para que Woods pudesse entrar dentro daquele circuito, se promover como atleta e chegar ao ponto em que chegou hoje. Outros negros americanos também passaram por isso, por exemplo, artistas, humoristas que são considerados entre os melhores, mas que não podiam entrar em locais onde brancos tinham acesso mais facilitado. Então, não necessariamente, o econômico vai se impor. Muitas vezes você converge economicamente, mas a divergência cultural se impõe. 

 

Em muitos casos, a cor das pessoas (não há raça, o que existe é a etnicidade, o grupo étnico), acaba também sendo determinante. Não necessariamente você, que chegou a um determinado padrão econômico e é de um grupo étnico diferente, consegue ser aceito em determinados grupos sociais. O que passa a valer não é mais o progresso econômico que você conquistou. A sua pigmentação é que vai dizer qual o nível da sua cultura e qual o nível de aceitabilidade que você vai ter dentro de um determinado grupo.

 

Por que é importante discutir eqüidade na formação do profissional de saúde?

 

O papel dos profissionais de saúde é fundamental, primeiro no sentido de tentar compreender onde está localizado, dentro das suas próprias instituições, esse tipo de discriminação. O que estamos tentando fazer não é somente sensibilizar o profissional para o fato de que essas iniqüidades existem, mas também alertar para a responsabilidade que ele tem, não somente de identificar e conhecer, mas de mudar essa realidade. Porque muitas vezes isso é reproduzido de uma forma até impensada. Se o profissional de saúde acha graça da piada racista, se ele ri da piada que é feita em relação a uma pessoa pobre que procura o serviço, está ajudando a perpetuar esse tipo de comportamento. E se ele não é parte da solução, é parte do problema. Então precisa trabalhar no sentido de não somente identificar, mas procurar encontrar quais os meios e caminhos para a solução. É esse nosso principal desafio.

 

Então os tutores devem atuar como multiplicadores desses princípios?

 

Com certeza, uma segunda responsabilidade dos profissionais de saúde é que eles incorporem todo esse aprendizado e repassem para seus próprios alunos e alunas, porque você vai de fato estar possibilitando barrar a iniqüidade lá no nascedouro. Então isso não é algo que diz respeito única e exclusivamente ao Brasil, mas ao mundo. Os profissionais de saúde têm um papel preponderante, não somente na ponta, nas suas unidades de saúde, mas também no treinamento dos alunos, para que eles possam, a partir desse momento, tentar barrar a iniqüidade a desigualdade e tentar construir uma sociedade que seja cada vez mais voltada para a igualdade entre as pessoas.

 

O que é preciso para que um serviço de saúde pública, como o nosso Sistema Único de Saúde, faça valer a questão da igualdade?

 

É perfeitamente possível ter um sistema nesse nível, desde que não seja uma coisa feita de uma cartada só, tal como vem acontecendo com o SUS ao longo dos anos. É preciso ser vigilante, estar constantemente se questionando, porque a vida é um contínuo, não pára e as coisas acontecem de uma forma que nem sempre você prevê. Então, se nós conseguirmos fazer isso com nosso sistema de saúde, provavelmente seremos bem sucedidos.

 

Sobre a Cooperação Brasil-Canadá

 

A Cooperação Brasil-Canadá tem por objetivo reforçar a capacidade institucional das escolas de formação de recursos humanos, para que estas possam desenvolver e ofertar programas de formação técnica segundo a Abordagem por Competência, que significa capacitar o futuro profissional a colocar em prática suas habilidades, para o desempenho eficaz de atividades.

 

As ações começaram em abril de 2007 e prosseguem até abril de 2010, envolvendo a Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, a Escola de Saúde Pública do Ceará, a Secretaria de Saúde e Ação Social de Sobral, a Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, o Sistema Municipal Saúde-Escola, o Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde e Agência Brasileira de Cooperação.

 

Os parceiros canadenses são a Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (ACDI); o Consórcio Internacional de Desenvolvimento em Educação (CIDE) e os CÉGEP de Sainte-Foy (Quebec) e John Abbott College (Montreal), que apóiam sua execução.

 

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