Entrevista – Paulo Ernani Gadelha Vieira (Jornal Diário do Nordeste)

25 de janeiro de 2009 - 18:05

 

O conhecimento precisa chegar à saúde pública

 

 

 A Fiocruz hoje é um dos esteios com que o Ministério da Saúde conta para implementação e formulação de políticas

Ao assumir a presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o médico cearense Paulo Ernani Gadelha Vieira, de 57 anos, fala, nesta entrevista exclusiva, sobre os projetos de nacionalização e internacionalização da Instituição, assim como os desafios de conciliar, pesquisa, desenvolvimento de vacinas e medicamentos e ensino, numa instituição que remonta ao ano de 1900, com a criação do Instituto Soroterápico Federal, e que ainda segue os padrões da gestão pública brasileira


Qual a importância da Fiocruz na atualidade?

A Fiocruz tem um papel hoje central, como inteligência e âncora do Ministério da Saúde, numa diversidade de campos: pesquisa; desenvolvimento de vacinas e medicamentos; formação de pessoal; vigilância sanitária; vigilância epidemiológica, ou seja, em todos os campos da saúde a Fiocruz hoje é um dos esteios com que o Ministério da Saúde conta para implementação e formulação das suas políticas com uma tarefa cada vez mais profunda em nível nacional. Estamos ampliando a nossa presença direta de seis para 12 Estados, incluindo agora também o Ceará. Essas unidades vão criar uma cooperação regional ao mesmo tempo trazendo todo o acervo da Fiocruz e incorporando novas temáticas que são relevantes para esses Estados. O sentido nacional da Fiocruz vai ser muito fortalecido. No campo internacional, estamos sendo constituídos como inteligência para uma política de relações exteriores do Brasil no campo da saúde, tanto dando suporte aos processos de formulação dessas políticas, como na implementação de iniciativas. A África e a América do Sul, são prioridades centrais do governo brasileiro, com ênfase na CPLP, Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A primeira iniciativa foi a constituição de um escritório permanente da Fiocruz em Moçambique, que garante uma atuação in loco com caráter de permanência. É como um braço do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Saúde na África, com a constituição de curso de pós-graduação em saúde pública, tanto em Angola quanto em Moçambique. Também estamos em processo de constituição, em Moçambique, de uma fábrica, de medicamentos. Isso tudo fazendo com que esses países adquiram autonomia.


Para o senhor, quais são os principais desafios da saúde pública no Brasil?

Eu diria que há duas questões. A primeira é conseguirmos implantar, de fato, o sentido pleno do SUS, concebido como sistema universal, com a capacidade de atenção integral à saúde, com a idéia de reunir todos os campos da área da promoção: atenção básica, média e alta complexidade, ou seja, um sistema que tem uma visão inclusiva, abrangente, que consiga, de fato, responder às demandas da saúde nessas diversas áreas. Associado a isso, temos questões geradas ainda da iniqüidade social muito gritante, tanto em nível geográfico regional no Brasil, quanto dentro de cada cidade, cada região, pela iniqüidade dos indicadores sociais. Isso se reflete em algumas questões também importantes do ponto de vista da saúde pública, em algumas doenças específicas, que constituem grandes desafios, desde a malária, mais concentrada na região amazônica, até a dengue, problema central, do ponto de vista da complexidade, e algumas doenças que passam a ser manifestadas com outras formas e dimensões, mas que também fazem parte do nosso portfólio, como as crônico-degenerativas, que já acompanham a mudança de perfil da população. Enfim, é uma realidade mista que acompanha o nível de desenvolvimento do País e as suas contradições. Essas, doenças consideradas da pobreza, doenças clássicas, são nosso objeto de trabalho como também novas doenças emergentes, como a Aids.


Como o senhor avalia um país com tanta pesquisa de ponta ainda conviver com problemas tão básicos, como infra-estrutura, prevenção e atenção primária?

Alguns problemas são passíveis de solução por decisões de natureza política, por reforço de programas ou por iniciativas no campo social, no sentido da melhoria geral das condições de vida da população. Outras questões ainda demandam avanço muito grande no campo do conhecimento, muita pesquisa. É importante não só caracterizar onde o foco central se dá, que é no reforço à produção de conhecimentos, na aplicação de tecnologia já existente, no convencimento político e em formatação de programas para que se tenha uma política integrada capaz de dar solução. Muitas vezes vai depender de uma vacina, apenas de práticas de saúde pública, promoção e de atenção básica resolutivas para aquele problema. A questão central, que está no campo político, é fazer com que a produção do conhecimento chegue aos novos produtos que atendam às demandas da população. O Brasil é considerado um país intermediário do ponto de vista de inovação no campo da saúde, com um padrão de produção do conhecimento, de formação pós-graduada, no entanto, pela falta de articulação, fica uma lacuna grande entre a pujança da produção de conhecimento e a resolutividade que ela poderia trazer no ponto de vista da atenção à saúde. Essa lacuna é um dos campos que nós estamos dando prioridade.

O que muda na condução da Fiocruz com a nova direção?

O fato de eu ter sido vice-presidente, nas duas gestões do Paulo Buss, me dá um sentido de continuidade e de garantir a conclusão de agendas em curso. Isso é importante porque tem muita coisa relevante que começou a ser desenhada, está em processo e que eu vou garantir o desenho final e a conclusão. Eu poderia citar o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, talvez o mais moderno para dar conta dessa transição da pesquisa para a clínica e a produção, capaz de absorver projetos que precisem dessa para ter chance de chegar na ponta da área de saúde pública. Há também uma série de novidades nas quais estamos envolvidos, como unidades de referência na área de assistência materno-infantil e de doenças infecciosas. No caso do Ceará, um dos projetos que está associado a essa iniciativa é reunir o que a Fiocruz já acumulou e o Ceará tem muita experiência e construir um centro de referência no campo da atenção básica e da saúde da família. Muito importante também é o desenvolvimento de tecnologias sociais, com experiências, por enquanto, localizadas aqui no Rio de Janeiro, junto aos PACs (Plano de Aceleração do Crescimento) urbanos. Estamos tentando uma modelagem dessa experiência para ser aplicada em outras realidades no território nacional, aproveitando a rede que nós temos. Na área de pesquisa, nós queremos identificar novas linhas, que não as tradicionais à Fiocruz, mas que já temos um acúmulo de componentes que possam integrar uma plataforma, como pesquisadores interessados em desenvolver pesquisas na área de doenças crônico-degenerativas. Em termos gerais, vamos tentar atender à mudança de escala e, ao mesmo tempo, um maior grau de complexidade numa série de iniciativas que estão exigindo um processo de inovação organizacional do ponto de vista de projeção de tecnologias futuras, áreas novas que vão impactar a ciência, tecnologia e saúde no futuro de médio e longo prazo, no caso da nanotecnologia. Essa atualização do projeto da Fiocruz vai ser o nosso grande desafio. Novas áreas vão aparecer, por exemplo, na relação ambiente e saúde, trabalhando com novos biomas, no caso do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia.

Já que o senhor falou em nanotecnologia, quais são as pesquisas de ponta que se destacam e quais são as suas principais aplicações?

Uma das áreas que estamos pesquisando é a de vacinas, como a dengue. Temos também avançado em kits diagnóstico com muita rapidez. Temos, ainda, a possibilidade de novas formulações e novos medicamentos essenciais, como é o caso da Aids e várias patologias importantes. Na verdade, o tempo de maturação e de resposta, entre a abertura de uma fronteira tecnológica ou do conhecimento e a possibilidade de resultado, principalmente nessas áreas que impactam mais, no campo de vacinas e de medicamentos, é longo e cheio de situações que precisam ser analisadas a cada momento. A Fiocruz já tem alguns produtos em andamento com possibilidade de sucesso, não só pela eficácia, mas, pela viabilidade econômica.

O senhor fala em ampliação da capacidade de a Fiocruz atender às demandas sociais. Por qual caminho começar?

Primeiro, deve-se construir uma articulação, associada a um conjunto de localizadores, instituições e agências envolvidas nesse processo, partindo do Ministério da Saúde, mas também a um conjunto de instituições públicas, organizações sociais, empresariais que tenham capacidade de captar essas demandas e atuar na sua resolução. No caso aqui do PAC de Manguinhos, urbano, que afeta uma comunidade com Índice de Desenvolvimento Humano muito baixo, estamos trabalhando de maneira associada com o governo federal, estadual e fórum de representação das várias comunidades do entorno, jogando toda a nossa possibilidade de contribuição para dar uma dimensão mais ampla a esse PAC para que seja não só uma intervenção urbana, mas um projeto de desenvolvimento local sustentável. A gente sempre trabalhou com a idéia de saúde como qualidade de vida e territórios saudáveis. A nossa intenção é ampliar essa aproximação com a sociedade, trocas de atuação e parceria.


Como está caminhando esse processo de expansão nacional no Ceará?

Muito bem. Nós temos o apoio decisivo do governador Cid Gomes, da prefeita Luizianne, participação intensa dos secretários estadual e municipal, das universidades, de institutos de pesquisa. Estamos finalizando a constituição do escritório da Fiocruz em Fortaleza, que deve ser inaugurado provavelmente no início de março com uma equipe inicial âncora do trabalho in loco, com a coordenação do senhor Carlile (Lavor). Ao mesmo tempo está sendo viabilizado terreno para implantação da sede definitiva e estamos também definindo, através de seminários com a equipe do Ceará e da Fiocruz, grandes linhas do movimento estruturante desse trabalho. Ela está centrada no campo de saúde da família / atenção básica, inclusive está sendo desenhada a constituição de um programa de doutorado. Outra área é a de desenvolvimento de medicamentos, principalmente de fitofármacos e produtos naturais, que o Ceará tem uma enorme tradição. Também estamos identificando maneiras de incentivar o desenvolvimento do complexo produtivo da saúde, que envolve não só a área farmacêutica, mas também iniciativas que estão acontecendo, e que precisam ser estimuladas, no campo de equipamentos e material médico, telemedicina e vários outros. Uma terceira linha, também muito importante, é a conjunção de áreas de pesquisas ligadas a alguns agravos de saúde que sejam importantes do ponto de vista da região. Essas três linhas estão sendo amadurecidas, algumas mais avançadas.

Diante dessas ampliações de foco, novas atuações, como está sendo trabalhado o aspecto dos recursos humanos da Fiocruz?

É fundamental não só a qualificação, que já é muito grande, mas a incorporação de novos profissionais, em áreas de ponta, no reforço de áreas tradicionais. E isso passa por várias estratégias, como abertura de novo concurso público e associação com a Caps, CNPq. Pela identificação de áreas de fronteira, estamos conseguindo fazer captação de cérebros que estão em processo de pós-graduação ou pós-doc, com a garantia da Fiocruz como prestadores visitantes e desenvolver durante um período essas áreas novas.


Maristela Crispim

Repórter

Fonte: Jornal Diário do Nordeste (Domingo, 25 de Janeiro de 2009).