Associação perigosa

28 de julho de 2008 - 13:43

26/07/08

 

 
O pensamento mágico, capaz de nos fazer sentir imunes a todo e qualquer risco, não é uma característica exclusiva dos adolescentes. Contamina também as pessoas que se utilizam da associação perigosa entre bebidas alcoólicas e direção. A recente lei 11705/2008 tardou, mas chegou. Tem-se discutido seu rigor excessivo, pois níveis mínimos de álcool percebidos pelo bafômetro podem redundar em punições severas para um condutor de veículo automotor, embora ele esteja cumprindo adequadamente as regras de trânsito.
O difícil, porém, é se determinar exatamente qual teor alcoólico desencadeará redução de reflexos no indivíduo, visto que a sensibilidade ao álcool é pessoal. Por tal motivo, o melhor é a conscientização de que combinar bebidas alcoólicas e direção pode produzir efeitos desastrosos. O apelido “Lei Seca” nos parece inadequado pelo fato de que a ingestão de bebidas não se encontra proibida. O que se pretende com a lei é fazer com que os motoristas percebam os riscos que acarretam a si e à coletividade, quando se encontram sob os efeitos do álcool. Quem aprecia bebidas alcoólicas pode continuar a delas fazer uso, desde que não assuma o papel de motorista. Delegue-o a quem esteja em pleno equilíbrio. Opções e ajustes neste sentido serão rapidamente encontrados por nossa sociedade e as críticas recentes desaparecerão. Recordemo-nos do impacto causado à época pela obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, hoje bem aceito pela maioria e incontestavelmente eficaz.
Pesquisas que demonstram a redução dos reflexos do motorista após a ingestão de uma dose de bebida alcoólica já foram desenvolvidas no Brasil e em outros países. Apesar das evidências, pouco era feito aqui no sentido de coibir a associação perigosa, a não ser através de algumas chamadas publicitárias. Contudo, o apelo das indústrias de bebidas conseguia ser bem mais forte e calava o clamor daqueles que se insurgiam contra o uso de álcool entre motoristas e pediam maior rigor na fiscalização.
Anualmente, mais de 40 000 vidas são perdidas no trânsito. Os custos anuais de acidentes de trânsito no Brasil, estimados pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), ficam em torno de R$ 28 bilhões. Os resultados imediatos da lei já podem ser sentidos pelos índices de acidentes divulgados nos jornais, bem como pela redução do número de acidentados graves que adentram as emergências. Esperamos, portanto, que a nova lei não seja passageira, como tantas outras que caíram no descrédito pela dificuldade dos órgãos fiscalizadores em cumprir a legislação.
 

CELINA CÔRTE PINHEIRO – Médica Ortopedista. Supervisora das Residências Médicas da rede estadual/ Escola de Saúde Pública do Ceará

 

Fonte: Jornal O Povo / Opinião / Artigo