Luta, superação e amor: até onde uma mãe é capaz de ir por um filho?

12 de maio de 2023 - 08:12 # # # #

Texto: Juliana Marques | Fotos: Arquivo pessoal

 

Poder alimentar uma criança, dar banho e trocar a fralda são tarefas comuns na vida de quem acaba de ter um filho, mas, infelizmente, essa não é a realidade de todas as mães. Quando acontecem intercorrências em que o parto é feito antes do tempo, inicia-se uma luta para tentar terminar do lado de fora, o trabalho que seria natural do corpo humano: ser abrigo e alimento para um novo ser em formação.

Foi o que aconteceu com a assistente administrativa da ESP/CE, Clivia Geritza Alves de Castro. Em agosto de 2010, a sua segunda filha, Julie, nasceu quando a gestação estava na 24° semana, o equivalente ao início do sexto mês. A duração regular de uma gravidez varia de 37 a 42 semanas. A bebê pesava apenas 620g e media 31 centímetros.

O período é considerado de prematuridade extrema, pois nessa fase o feto ainda não possui muito tecido gorduroso e precisa ter ganho de peso refletido em músculos, ossos e crescimento dos órgãos.  

Superação 

Clívia teve pequenos episódios de sangramentos no primeiro trimestre da gravidez, mas o motivo do nascimento antecipado foi uma infecção urinária. Ela já estava internada para tratar o problema, quando a bolsa estourou. “Tive um parto normal. Senti todas as dores e, após o parto, quando vi o tamanho dela, pensei imediatamente que não sobreviveria”, explica.

Além do pouco peso, a bebê teve infecção, pneumonia, gastrite – devido às medicações – e ainda ficou entubada por três meses. Nessa época, a filha mais velha de Clívia, Jacqueline, tinha nove anos de idade e teve que ficar na casa da avó.

A rotina de “mães de UTI Neonatal” é pesada. Clívia entrava no hospital às 7h e ficava até às 20h. Ela também ia à casa da minha mãe uma vez por semana para ver a Jacqueline. “Foi uma fase muito desafiadora, mas me apeguei à fé. No hospital, acompanhava diversas altas de outros bebês e sempre me perguntava quando seria a nossa vez”, relembra.

A alta finalmente chegou em dezembro de 2010. No total, foram quatro meses de internação. “Sair da maternidade com a minha filha nos braços foi a minha maior alegria. O Natal daquele ano foi lindo. A minha família estava, finalmente, completa”, comemora.

Julie, hoje com 13 anos, se desenvolveu bem e não teve nenhuma sequela. Daquele período, o que ficou foram apenas as lembranças e os ensinamentos. 

Novas descobertas

“Eu percebo que Arthur é uma criança extremamente feliz”, foram as palavras que a gerente de projetos da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), Elis Regina Farias, ouviu do neuropediatra que consultava o seu neto. O menino, que à época estava com 1 ano e 5 meses, apresentava algumas características do Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

Para Elis (51), ouvir aquilo antes de um possível diagnóstico foi extremamente importante. Era a confirmação de que ela, como mãe e avó, estava dando o suporte necessário à família. “Aquelas palavras me abraçaram e me colocaram no colo”, conta emocionada. 

Mas, bem antes de tudo isso acontecer, a trajetória dessa mãe sempre foi cheia de desafios, superações e muito amor. Dentista com especialidade em Odontopediatria, Elis é mãe de três filhos: Felipe (28), Paulo Victor (26) e Ana Caroline (23). 

Quando a mais nova tinha quinze anos, uma novidade mudaria a vida de toda a família para sempre. A adolescente descobriu que estava grávida. Elis já trabalhava na ESP quando recebeu a ligação da filha contando sobre a gestação. 

“Lembro que eu estava numa das salas do anexo da Escola quando ela me ligou chorando para contar. Eu só conseguia repetir em voz alta que não acreditava naquilo. Foi um choque para mim”, relembra.

Novas descobertas

Sem a ajuda do namorado, Carolina via na mãe a sua única fortaleza. A mulher que estava com ela em todos os momentos e que seria seu suporte dali em diante. A gravidez foi tranquila, Arthur Aragão nasceu saudável e de parto cesáreo agendado. Após a cirurgia, a adolescente teve uma hemorragia, mas, felizmente, os médicos conseguiram controlar. 

Em casa, agora, Elis era mãe de três e também do neto. Era ela quem trocava, alimentava e dava banho. O bercinho do bebê, inclusive, ficava em seu quarto. Todo esse esforço tinha um objetivo: Carolina não podia largar os estudos. “Lembro que a minha filha tinha até receio de que Arthur não a reconhecesse como mãe. Eu sempre fiz questão de deixar bem claro que eu era a sua avó”, explica. 

Mas foi quando Elis enfrentou um câncer de tireóide, que a sua filha desabrochou de vez para a maternidade. Enquanto a mãe se recuperava de alguns procedimentos cirúrgicos, por conta da doença, o extinto materno de Carolina falou mais alto e ela passou a ter o controle da rotina do filho, mesmo com o desafio de adaptar tudo às atividades da escola.

“Eu dizia sempre para ela que, nesse momento, eu não poderia cuidar deles, mas ela era a mãe e precisava assumir o comando”, relata. Foi uma fase difícil. Os filhos e ela, unidos, conseguiram vencer a batalha e Elis ficou curada. 

Mundo azul

Quando Arthur tinha 1 ano e 5 meses, a família começou a perceber algo diferente. Ele falava poucas palavras, não olhava nos olhos e andava de ponta de pé. A criança foi levada a uma psicóloga, que fez vários testes e o encaminhou ao neuropediatra. 

O médico sugeriu o acompanhamento com uma equipe multidisciplinar e o diagnóstico de autismo foi concluído. “Ficamos aliviadas em finalmente entendermos o porquê de algumas atitudes dele”. 

Por conta dos trâmites com o plano de saúde, as terapias só começaram aos três anos de idade. Inquieta e com vontade de sempre fazer algo a mais, Elis se matriculou numa especialização sobre autismo. Ela era a única dentista no meio de psicólogos, terapeutas e fonoaudiólogos. No primeiro dia de aula, a coordenadora do curso ficou curiosa em saber o motivo de seu interesse pelo curso. “Estou aqui por causa do meu neto”, ela respondeu.

A especialização ajudou a avó a entender como o cérebro de Arthur funcionava e, hoje, ele recebe terapias diariamente e é estimulado por ela e pela filha a todo momento. 

Os filhos de Elis estão quase todos formados. Os dois meninos, na área da computação. Carolina cursa o 10° e último semestre do curso de Enfermagem. Arthur, hoje com sete anos, evolui a cada dia mais com as terapias. Chama Carolina de mãe e Elis de vovó.